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'Não é uma verdade completa a afirmação de que nosso Código é de 1940', diz o delegado Eduardo Cabette
Nessa primeira reportagem, o professor do curso de Direito do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal), dr. Eduardo Luiz Santos Cabette, traz explicações gerais sobre o atual Código Penal e suas principais deficiências. Cabette também é delegado de polícia no Estado de São Paulo e leciona nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Legislação Penal e Processual Penal Especial.
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O professor explicou que a base e o decreto do atual Código Penal são de 1940. Contudo, o livro está dividido em duas partes: uma geral (regras para aplicação de interpretação dos crimes e das penas) e uma especial (prevê os crimes e as penas). De acordo com o delegado, a parte geral já foi reformada inteiramente em 1984 e, depois disso, houve várias reformas em ambas as partes, em especial a partir da década de 90. “Então não é uma verdade completa a afirmação de que o nosso Código é de 1940”, explicou.
Deficiências do Código Penal hoje
Mesmo com essas alterações, dr. Cabette disse que há muitos aspectos que poderiam ser objeto de reforma, como a inclusão de alguns crimes que existem hoje. Um exemplo são os crimes específicos informáticos.
“É lógico que o legislador de 1940 não podia nem imaginar isso. Não temos regras específicas para crimes de informática, então a gente é obrigado a ficar adaptando os tipos penais que nós temos aos crimes que já são previstos no Código”, exemplificou o delegado.
Outro exemplo dado pelo professor são os casos de permissividade do aborto. Atualmente, dois tipos são permitidos: em casos de estupro ou para salvar a vida da mãe. Não há previsão, por exemplo, para casos de inseminação artificial contra o consentimento da mulher, situação para a qual, segundo o delegado, seria interessante existir uma regulamentação, seja para permitir ou para proibir.
O projeto
Professor Eduardo destacou que há outras propostas que vão gerar polêmica, apesar de estarem sendo mais discutidas aquelas relativas ao aborto e à eutanásia.
“Há outras propostas também muito polêmicas relativas ao aumento de pena em relação a crimes mais graves, que estão elencados, por exemplo, na lei dos crimes hediondos. Eu acho que uma das vertentes mais importantes é o fim da ação penal privada, que são ações penais de alguns crimes em que se a gente for a vítima, por exemplo, em crimes contra a honra, e quiser processar a pessoa por esses crimes, tem que contratar um advogado e a própria pessoa processar. A ideia é acabar com isso. Se é crime, é ação pública. Isso é uma das alterações importantes que está em projeto”.
Outro ponto da reforma é a ideia de sistematizar, em um único diploma de codificação, todas as leis penais, tendo em vista que hoje existe muita legislação penal separada do Código. “A ideia é reunir no Código Penal pelo menos os principais ilícitos e organizar de uma forma mais sistematizada”, contou.
Impasse pode atrapalhar o projeto?
A sociedade já está debatendo as questões relativas ao aborto e à eutanásia, que geram polêmicas. Como a proposta é que esta seja uma reforma global do Código, e não apenas em aspectos pontuais, o delegado explicou que, enquanto houver alguma discussão que não for resolvida, a aprovação vai ficar atravancada, mas ele disse que isso não é ruim. Na verdade, ele acredita que esse debate não simboliza um entrave, mas sim uma necessidade.
“A discussão é benéfica. Esse Código tem que nascer de discussão e a ideia é mesmo abrir ao público, ter sugestões e debate na sociedade como um todo onde, inclusive as entidades religiosas, representam um grupo social importante e tem direito de ter voto em todos os debates como qualquer pessoa tem o direito de participar. Faz parte até da democracia essa questão”.
Contudo, dr. Cabette ressaltou que, caso alguma questão fique muito intrincada, nada impede que o legislador passe a aprovar as questões por partes, como vinha acontecendo até hoje, por meio de reformas pontuais.
Por que só agora?
Quando perguntado sobre os motivos para esta reforma não ter sido proposta antes, professor Eduardo recorreu ao aspecto delicado dessas questões no âmbito político. “Como o Congresso Nacional é feito por pessoas da política, esses temas mais polêmicos, como eutanásia e aborto, que envolvem uma tomada de posição que pode render prejuízo político, seja de um lado seja de outro, então existe uma retração da classe política pra mexer com esse tipo de questão”.
Ele acredita que a formação de uma comissão para apresentar as propostas pode ter facilitado a abordagem dos assuntos polêmicos, já que, de acordo com ele, isso dilui um pouco a responsabilidade do político.
“Vamos supor que um político apresente um projeto para liberação do aborto ou então para proibição total do aborto, tirando até os abortos legais. Se for um deputado ou um senador que faz isso sozinho, ele perde dividendos com uma ou outra facção social. Agora, quando vem um projeto de uma comissão de juristas que é global e eles só vão votar, ninguém é diretamente responsável”, exemplificou.
Próximos passos
O projeto encontra-se em fase de elaboração. Dr. Cabette informou que o próximo passo é apresentá-lo ao público, para que a população dê sugestões. Depois dessas sugestões, a comissão vai analisar o projeto e entrar na última fase, que é o encaminhamento da proposta ao Congresso, onde ela será votada pela câmara dos deputados e depois pelo Senado. Se aprovado, o projeto segue para a sanção do presidente.
O delegado informou ainda que, geralmente em casos como esse, é dado um período, estimado de acordo com a situação, para que o projeto de fato entre em vigor. Por se tratar de uma reforma extensa, esse tempo é dado para que as pessoas que vão trabalhar na área possam se atualizar.
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