Por muito tempo, principalmente depois de tudo que vivi e vivo entre Brasília e Recife, meus pilares do dia a dia, aprendi a buscar a notícia na fonte. Beber e se embriagar nas fontes reais e físicas, literalmente. A pandemia do Covid-19 nos roubou também muitas fontes nos levando ao refúgio ou prisão domiciliar como queira denominar. As fontes que encontrava ou batia de frente, sem querer, nos bares e restaurantes.
Sim. São neles que nos deparamos com políticos em estado etílico, que falam o que não devem e põem tudo, até o que se passa no esgoto da política, na mesa, entre em shope ou uma dose cavilar de uísque. Em Brasília, já saí do Piantella com muitas manchetes para deleite dos meus poucos ou escassos leitores.
No Recife, o Piantella tupiniquim é o Leite, o mais longevo point da nobreza, frequentado por quem é notícia e por quem faz um fato corriqueiro virar notícia. No passado, ainda foca (jornalista em início de carreira) frequentei três bares, usinas de pautas e grandes manchetes: Dom Pedro, que celebrava uma união rara e efêmera entre duas redações concorrentes, Diário de Pernambuco e Jornal do Comércio.
O velho e ainda resistente Mustang, na Conde da Boa Vista, que tinha uma boate do pecado como vizinha, na qual um famoso jornalista teve uma paixão alucinante por uma bela Índia. Era prazeroso, romântico, dava para falar mal e bem da vida dos outros espiando mulheres lindas sob o olhar de plumas e paetês dos carnavais pela Conde da Boa Vista.
O terceiro e mais plural de todos era o Savoy. Ainda imberbe, frequentei pouco, mas tenho boas lembranças. A maior delas o belo poema de Carlos Pena Filho emoldurado na parede para fazer qualquer coração de pedra virar sopro de lágrimas.
Na avenida Guararapes,
o Recife vai marchando.
O bairro de Santo Antonio,
tanto se foi transformando
que, agora às cinco da tarde,
mais se assemelha a um festim.
o Recife vai marchando.
O bairro de Santo Antonio,
tanto se foi transformando
que, agora às cinco da tarde,
mais se assemelha a um festim.
Nas mesas do Bar Savoy,
o refrão tem sido assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.
o refrão tem sido assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.
Ah, mas se a gente pudesse
fazer o que tem vontade:
espiar o banho de uma,
a outra, amar pela metade
e daquela que é mais linda
quebrar a rija vaidade.
fazer o que tem vontade:
espiar o banho de uma,
a outra, amar pela metade
e daquela que é mais linda
quebrar a rija vaidade.
Mas como a gente não pode
fazer o que tem vontade,
o jeito é mudar a vida
num diabólico festim.
Por isso no Bar Savoy,
o refrão é sempre assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.
fazer o que tem vontade,
o jeito é mudar a vida
num diabólico festim.
Por isso no Bar Savoy,
o refrão é sempre assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.
Garoto matuto, tangido pela braba seca de 80 no Sertão do Pajeú, comecei a frequentar a redação do Diário de Pernambuco como mundo de descobertas e de sonhos para quem perdia noites com o desejo aflorando em ser pombo correio da notícia.
Para chegar ao Bar Savoy, centro da intelectualidade e boemia da cidade, o passaporte teria que ser carimbado pelos já famosos boêmios e afamados jornalistas, como Cristovam Pedrosa, Márcio Maia, José Adalberto Ribeiro, Amin Steple, Ítalo Rocha, Selênio Homem de Siqueira, Joezil Barros, Ângelo Castelo Branco, Ildefonso Fonseca, Ivanildo e Inaldo Sampaio, Robson Sampaio, Danda Neto, Ernani Régis e tantos e tantos outros.
O Savoy era algo como nos ecléticos dias atuais chamamos "happy hour". Ali, a tarde caía e atraía a noitinha cheia de personagens que coloriam a cidade do Recife, cheio de muitas gargalhadas, densa fumaça de cigarros pelo ar.
No mesanino, uma suave música tornava o ambiente mais requintado e íntimo. Os solícitos garçons completavam a nota final do saudoso bar recifense, na Av. Guararapes. Era o mais antológico e famoso bar da história de Pernambuco.
Com endereço à Av. Guararapes, n.147, foi fundado em 1944 e teve na década de 60 o seu tempo de maior efervescência, reunindo inclusive a intelectualidade local, como os poetas Carlos Penna Filho, Austro Costa, Mauro Mota, o baianíssimo Jorge Amado, entre outros de não menos importância.
Se evocamos personalidades internacionais, provaram também de seu renomado chope Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sarte, quando em visita ao Recife, em 1960; o escritor inglês Aldous Huxley e mãe do imortal Guevara, que declarou nunca ter provado de "una cerveza" tão deliciosa quanto aquele chope, nem em Cuba, nem em Argentina.
A febre desmesurada da insensibilidade dos shopping centers selou, como a outros importantes estabelecimentos da histórica cultura recifense, a sorte do Savoy, que encerrou as suas portas no início da década de 1990.
Lamentável que a tibieza das gerências municipais não tenham imortalizado de uma vez o Savoy como Patrimônio Cultural de Pernambuco, pois a sua ausência não conseguiu ainda dali libertar os "...trezentos desejos presos, trinta mil sonhos frustrados."
Postado por Magno Martins
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