Ricardo Teixeira e João Havelange em evento no Rio de Janeiro (01/02/2005)
Agora está confirmado: Ricardo Teixeira usou a empresa Sanud junto com
João Havelange para receber comissões em nome da Fifa e não repassou os
valores aos cofres da entidade. Os valores finais ainda não foram
fechados pela Justiça da Suíça, mas os subornos podem ter passado de US$
40 milhões, entre 1978 e 2000. O escândalo está sendo investigado pelo
Parlamento Europeu, que divulgou um relatório parcial esta semana.
NÚMEROS DO ESCÂNDALO
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1974-1978
Duração do mandato de Havelange como presidente da Fifa
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1994-2012
Período no qual Teixeira foi membro do comitê executivo da Fifa
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US$ 40 milhões
Valor do suborno recebido pelos dois dirigentes entre 1978 e 2000
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1982-2001
Anos de fundação e falência da empresa de marketing esportivo ISL
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2001
Ano no qual foi realizada a CPI do Futebol, que investigou Teixeira
Parte dessas comissões milionárias foram recebidas pelos brasileiros
entre 1989 e 1998, ano em que Havelange se afastou da presidência da
Federação, depois de cumprir mandatos seguidos desde 1974.
Além da Sanud, empresa investigada na CPI do Futebol em 2001 (e que tem
o irmão de Teixeira, Guilherme, como procurador, no Brasil) os dois
brasileiros usaram também o fundo Renford Investiments, e a empresa
Garantie JH para coletar propinas na venda de direitos de transmissão
dos jogos das Copas do Mundo, “para um país da América do Sul”.
As informações foram amplamente investigadas pelo promotor suíço Thomas
Hildebrand que abriu ação criminal contra os dois brasileiros, mantendo
seus nomes sob sigilo judicial.
Mas alguns documentos exclusivos obtidos por
UOL Esporte, no
ano passado, permitem cruzar as datas dos depósitos efetuados em várias
contas de empresas de fachada, usadas no maior escândalo de corrupção
esportiva, que chega a 122,6 milhões de francos suíços ou cerca de US$
160 milhões no total.
Parte desse dinheiro (mais de US$ 40 milhões) ficou nas contas dos dois
brasileiros que estavam por trás de um grupo de empresas listadas pela
promotoria suíça.
Mesmo mantendo o sigilo judicial imposto ao processo criminal que ainda
tramita na Suíça, o promotor Hildbrand deu detalhes sobre as operações
das duas pessoas denunciadas no recebimento de propina. Essas pessoas
foram codificadas pelas letras H (Teixeira) e E (Havelange).
Na Suíça, corrupção privada só é enquadrada em crime quando envolve
suborno em contratos comerciais. “Por isso as pessoas H e E foram
incriminadas”, explicou o promotor usando as duas letras para proteger a
identidade dos brasileiros.
Segundo Hildbrand, “os dois, E e H, tinham participação financeira na
companhia G (Sanud). Detalhes das operações individuais podem ser
conhecidos no quadro abaixo”.
Por esse quadro divulgado pelo Comitê Europeu de Cultura, Ciência,
Educação e Mídia, que também investiga o maior escândalo do futebol
mundial, 32 depósitos foram feitos entre 10 de agosto de 1992 até 4 de
maio de 2000, na conta da Sanud (empresa G).
O Parlamento Europeu divulgou nesta semana parte do conteúdo do
processo que investiga o escândalo. Para preservar o sigilo judicial, o
promotor apenas listou os depósitos feitos e a Comissão Europeia excluiu
os nomes das empresas denunciadas.
Porém, cruzando as informações divulgadas esta semana pelo Parlamento
Europeu com um dossiê de lista de empresas beneficiadas a que o
UOL Esporte
teve acesso, ano passado, foi possível checar cada depósito realizado
com os nomes das empresas beneficiadas: A Sanud e a Garantie JH
receberam entre 1992 e 1997, 22 repasses financeiros, totalizando US$ 10
milhões. A Garantie JH recebeu em um único depósito de 3 de março de
1997, US$ 1 milhão. Os outros dez repasses foram feitos para a conta da
Renford Investiments Ltd.
Apesar da coincidência das letras JH, até o relatório divulgado pelo
Parlamento Europeu não se poderia afirmar que a Garantie era operada por
João Havelange. A confirmação foi possível porque dados sigilosos do
processo obtidos pelo
UOL Esporte trazem a lista dos
depósitos associada aos nomes das empresas beneficiárias. O roteiro de
datas e valores divulgados pelos comissários europeus foi decisivo para o
cruzamento dos nomes das empresas.
A dinheirama manipulada pela Fifa passava antes pelos cofres da
International Sports Leisure (ISL), empresa de marketing esportivo
montada por Havelange em associação com Adidas e a japonesa Dentsu, nos
anos 80. A ISL tinha 50% de capital japonês e acabou quebrando em 2001.
A falência da ISL chamou a atenção do Ministério Público e uma
investigação criminal foi aberta na Suíça para apurar os motivos da
falta de caixa. Um dos executivos da empresa, Jean Marie Weber, abriu o
jogo e contou como o esquema funcionava.
Há ainda outro detalhe importante revelado pelo promotor Hildbrand e
que ajudou a confirmar os nomes dos brasileiros: “alguns depósitos foram
feitos em contas dos filhos do suspeito H (Teixeira) e um dos contratos
assinados pela Fifa leva a assinatura do suspeito E, em 97 e 98”.
Está claro também de onde os dois recebiam comissão pela venda
exclusiva dos direitos de transmissão do jogos: “O pagamento foi feito
pela ISL e uma de suas subsidiárias a ISMM Investiments, que
recontratava empresas para vender direitos de televisão e rádio a um
país da América do Sul”. Os dois únicos interessados em direitos de
televisão na América do Sul e que eram oficiais da Fifa, e que operavam a
Sanud e a Garantie JH, são Ricardo Teixeira e João Havelange.
“Os pagamentos foram feitos direta ou indiretamente aos dois (H e E);
ambos eram executivos da Fifa e um deles ainda é”, revelou o promotor
aos parlamentares europeus em depoimento dado em março de 2012.
ALGUMAS EMPRESAS ENVOLVIDAS EM SUBORNO, SEGUNDO JUSTIÇA SUÍÇA
Garantie JH
Sanud
|
US$ 1,5 milhão
US$ 8,5 mihões
|
03/03/1997
de 16/02/93 a 28/11/97
|
Beleza |
US$ 1,5 milhão |
de 27/03/91 a 01/11/91 |
Ovada |
US$ 820 mil |
22/01/1992 |
Wando |
US$ 1,8 mihão |
de 06/07/89 a 22/01/93 |
Sicuretta |
US$ 42,4 mihões |
de 25/09/89 a 24/03/99 |
Saem Sanud, Garantie JH e entra a Renford
O último depósito feito na conta da Sanud (que, no Brasil era operada
pelo irmão de Ricardo Teixeira, Guilherme) foi feito no dia 30 de março
de 1997. A partir de março de 1998 entra em cena a Renford Investiments
para receber em um único depósito a soma de US$ 2 milhões.
“Os pagamentos foram feitos como venda de influência pessoal na
negociação dos direitos exclusivos de transmissão dos jogos da Copa do
Mundo. Esses pagamentos se referem a contratos assinados em 12 de
dezembro de 1997 e maio de 1998 pelo acusado E”, revela o promotor.
Esses contratos negociavam a transmissão da Copa de 2002 (no Japão e
Coreia). Era o último ano de Havelange à frente da Fifa e ele assinou os
contratos de venda de direitos como presidente da entidade.
“O acusado E ficou rico com as comissões recebidas e não cumpriu seu
dever de repassar esses valores aos cofres da Fifa, que acusou prejuízo
de igual valor", denuncia.
A mesma acusação se refere ao acusado H (Teixeira) como um dos beneficiários da empresa Sanud.
“As somas recebidas foram levadas em dinheiro por um cidadão de Andorra
e depositadas em três contas dos filhos de H”, revela o promotor.
“Parte do dinheiro saiu também do Bank of America, nos Estados Unidos”.
Entre 10 de agosto de 1992 e 4 de maio de 2000 as empresas operadas por
Havelange e Teixeira receberam US$ 15,6 milhões. Mas outra montanha de
dólares passou por outras empresas antes desse período. Estima-se que
empresas como Wando, Ovada, Beleza e Sicuretta também receberam cerca de
US$ 60 milhões:
“Esse interesse por promoção esportiva começou na Fifa nos anos 1970”,
revelou um ex-gerente da ISL ao promotor Hildbrand. “A ISL perseguiu
esses objetivos desde sua fundação. As atividades continuaram, mas
agora há uma espécie de fundação que opera com fundo de investimento
único”.
Teixeira e Havelange escapam da condenação
Embora o caso chame a atenção do investigadores europeus, o fato é que o
promotor Hildbrand não vê caminhos claros para abrir novo processo
criminal contra os acusados H e E. “Houve um acordo judicial e parte do
dinheiro foi depositado na conta da falida ISL”, explicou o promotor em
seu depoimento.
“A Fifa foi a principal interessada no acerto. Seus advogados na Suíça
lutaram muito para esse acordo e não existe mais queixa de prejuízo
causado aos cofres da entidade. O interesse da Fifa sugere que a
entidade sabia de tudo o que ocorria e suspeitamos que a entidade tenha
feito pagamento por terceiros ”, disse o promotor. “ O pagamento do
acusado H (Teixeira) foi feito pelo mesmo escritório de advocacia que
trabalha para a Fifa”, concluiu Hildbrand.
Para encerrar o processo na justiça suíça, Havelange acertou com a Fifa a devolução de cerca de US$ 400 mil dólares:
“A idade avançada do acusado e a consequente redução de sua capacidade
de ganho e de aposentadoria fizeram com que a promotoria aceitasse o
pagamento de 500 mil francos suíços”.
Um depósito de US$ 1 milhão foi feito na conta da Garantie JH e foi
confirmado pelo promotor Hildbrand “como sendo na conta do acusado E,
que é idoso e está aposentado”.
O suspeito H (Teixeira) encerrou o caso com a devolução de cerca de US$
2,6 milhões. O dinheiro foi depositado na conta de massa falida da ISL,
que ainda precisa pagar seus credores.
Na opinião do promotor Thomas Hildbrand, a Fifa sempre soube do
escândalo, porque Joseph Blatter está na entidade desde 1974 e sempre
ocupou cargo de gerência executiva e secretaria geral, até ser eleito
presidente em 1998, substituindo João Havelange.
Ricardo Teixeira renunciou a seu cargo executivo na Fifa, em março de
2012. João Havelange renunciou a cargo vitalício no Comité Olímpico
Internacional, em meio a investigação por corrupção. Havelange está
internado no hospital Samaritano no Rio de Janero, desde 18 de março,
vítima de infecção no tornozelo direito.