O governo mudou as regras da caderneta de poupança por causa da queda
de juros. O rendimento passa a ser de 70% da Selic (taxa básica de
juros) mais a TR (Taxa Referencial) sempre que a Selic ficar em 8,5% ou
abaixo disso ao ano. Hoje essa taxa está em 9%, mas a expectativa é que
ela seja reduzida em breve.
A mudança valerá para novas poupanças abertas e novos depósitos a
partir desta sexta-feira (4). O dinheiro que já está depositado na
poupança não sofrerá efeitos das novas regras.
Mas a alteração atinge qualquer novo depósito. Não importa se o
poupador abrir nova caderneta ou apenas fizer novas aplicações nas
contas já existentes. Em qualquer uma dessas situações, as novas regras
são aplicadas sobre o novo depósito, independentemente do valor.
Se o correntista tinha R$ 10 mil na poupança, por exemplo, esse
dinheiro é corrigido pelas regras anteriores. Qualquer outro valor
depositado a partir desta sexta (R$ 50, R$ 500, R$ 10 mil, não importa a
quantia) sofre os efeitos do novo regulamento.
O rendimento da poupança era até agora fixado por lei em 6,17% ao ano, mais a TR (Taxa Referencial).
O rendimento da poupança agora ficará menor.
O anúncio foi feito pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Ele diz
que é uma "mudança mínima, que não afeta os interesses dos correntistas
atuais".
"Os detentores de caderneta de poupança que têm dinheiro aplicado até o
dia de hoje [quinta-feira] continuarão seguindo as mesmas regras de
hoje. Não há mudança nenhuma", disse o ministro.
Segundo Mantega, há cerca de 100 milhões de cadernetas de poupança no
país, com saldo de R$ 431 bilhões. Essas aplicações não serão afetadas.
Redução de juros é causa de mudança na poupança
O governo vem reduzindo a taxa básica de juros (Selic) e isso cria um
impasse em relação aos rendimentos da caderneta de poupança. Com os
juros mais baixos, a caderneta tende a ficar mais interessante para os
investidores do que os títulos públicos. Segundo especialistas, isso
pode criar problemas para o governo e para os bancos.
O governo federal precisa de dinheiro para fazer obras, financiar
projetos sociais (como Bolsa Família) e pagar suas despesas (gastos com
funcionários públicos, por exemplo). Existem algumas formas para
conseguir esse dinheiro, como a cobrança de impostos (como IPI e Imposto
de Renda) e o recebimento por concessões (como quando o governo permite
que uma empresa explore petróleo, por exemplo).
Se o dinheiro arrecadado pelo governo não for suficiente para cobrir
esses gastos, é necessário emitir títulos públicos para refinanciar essa
dívida. Esses títulos são comprados diretamente por pessoas físicas,
por meio do Tesouro Direto, ou por bancos (que os revendem em carteiras
de fundos de investimento de renda fixa, por exemplo).
Rendimento dos títulos é atrelado à Selic
Assim, quem compra um título público está, na verdade, emprestando
dinheiro ao governo para que ele faça investimentos. Para emprestar esse
dinheiro, porém, o investidor quer ter um retorno, que é justamente
baseado na taxa Selic.
Desde agosto de 2011, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco
Central, realizou seis cortes seguidos na taxa básica de juros. Em julho
do ano passado, a Selic estava em 12,5% ao ano Com as reduções
sucessivas,
foi para 9% ao ano na última reunião, em abril.
Quem investe nos títulos públicos por meio de fundos de investimento,
porém, não tem esse rendimento líquido. O investidor precisa, ainda,
pagar Imposto de Renda, além de taxa de administração. Descontados esses
gastos, a rentabilidade dos títulos fica mais baixa e pode acabar
perdendo para a da poupança.
O rendimento da poupança era até agora fixado por lei em 6,17% ao ano,
mais a TR (Taxa Referencial). A poupança não sofre incidência de IR nem
de outras taxas.
Governo teria mais dificuldade de financiar suas dívidas
A queda da Selic cria, assim, um problema para o governo. Com o aumento
da atratividade da poupança, os recursos que eram direcionados para os
títulos podem migrar para caderneta, e o governo tem maior dificuldade
para financiar suas dívidas.
"O governo teria apenas outras duas opções para financiar a dívida:
emitir mais moeda e aumentar impostos. A emissão de moeda, no entanto,
gera inflação. E o aumento de impostos seria contrário às medidas de
desoneração que o governo vem tomando nos últimos meses", diz o
professor de Economia do Insper Otto Nogami.
Bancos teriam menos recursos para aplicar e imóveis podem ficar mais caros
Os bancos também tendem a perder com a migração em massa dos
investimentos para a poupança, porque, por lei, 65% dos recursos da
caderneta devem ser usados no financiamento de imóveis. A demanda por
financiamentos, porém, pode não continuar tão alta como tem acontecido
nos últimos anos, diz Nogami. Isso deixaria esses recursos parados nas
instituições.
O aumento da oferta de crédito para compra de imóveis também poderia
ter outro efeito negativo. "O aumento da oferta de financiamento
habitacional também gera aumento no preço dos imóveis", afirma o
professor da FEA-USP Roy Martelanc.
Especialistas acreditam que mudança é fundamental
"Se o governo quiser continuar baixando os juros, a mudança é
fundamental", diz Nogami. "A maior dificuldade é mexer numa instituição
tradicional como é a caderneta de poupança."
O professor da PUC-SP José Nicolau Pompeu, concorda que a mudança era necessária.
Martelanc, da FEA, diz que, nos países em que os juros são mais baixos,
como nos Estados Unidos, o risco da migração em massa para um
investimento como a caderneta não existe.
"Esses países não têm aplicação semelhante, que tenha uma rentabilidade
fixa, que não se adeque à situação econômica do momento", diz.